Brasil: o dilema da dívida – por Michael Roberts

Por Michael Roberts – economista britânico pela University of  Sussex (England – U.R)

Publicado originalmente no site The Next Recession

Tradução de Luiz Felipe Francez


O Brasil enfrentará uma eleição presidencial em outubro de 2018. Isso oferecerá um novo teste para saber que rumo a política e a economia do país tomará. Ganhará uma coalizão de partidos empresariais, ou uma coalizão liderada pelo Partido dos Trabalhadores retornará ao poder sob um presidente mais à esquerda (possivelmente o ex-presidente Lula)?

Ninguém que encontrei em minha visita ao Brasil semana passada tinha certeza do que poderá acontecer. O capital internacional está otimista de que a atual administração neoliberal ganhará um mandato de quatro anos, possivelmente o anterior vice presidente Temer, ou até talvez o prefeito de São Paulo, João Dória – um empresário e antigo apresentador de programas de TV. Dória expressou ambições presidenciais e exortou os “partidos centristas” (isto é, pró interesses empresariais) para forjar uma plataforma comum para combater ‘candidatos extremistas’ (Partido dos Trabalhadores). Ele parece ser a versão brasileira de Donald Trump. Almeja “gradualmente” vender o maior patrimônio brasileiro, a gigante petrolífera Petrobras. “Não há necessidade da Petrobras continuar sendo uma estatal. O Brasil está isolado do mundo. Não podemos temer fazer o que é necessário para inserir o Brasil na economia liberalizada e global”, disse Dória. Ele também se mostra favorável à privatização da Eletrobrás, portos, aeroportos, ferrovias e vias fluviais.

Ele também apoia as usuais medidas neoliberais (chamadas de “reformas estruturais”) feitas pra aumentar a taxa de exploração: enfraquecendo sindicatos; facilitando a demissão de trabalhadores; reduzindo seus direitos e condições etc. Também quer reduzir as regras da aposentadoria e cortar impostos para os ricos e as corporações. “O próximo presidente terá que priorizar a reforma da previdência”, disse.

Tudo isso se harmoniza com as políticas do atual presidente Temer, que assumiu o cargo após o congresso (controlado majoritariamente por partidos de direita) ter conseguido destituir a presidenta eleita do PT, Dilma Rousseff, por denúncias de corrupção (Operação Lava Jato).

Curiosamente, Dória não concorda com Trump no que se refere ao protecionismo. Em contraste, almeja a uma “economia aberta” e uma taxa de câmbio flutuante. “Temos de evitar qualquer protecionismo que limite o crescimento econômico”. Dória também quer preservar a independência do banco central – uma clássica posição do capital financeiro – o mantendo fora de qualquer responsabilidade ou transparência democrática. Tudo isso é muito similar à Temer. Na verdade, se Dória se tornasse presidente, provavelmente manteria a mesma equipe econômica de Temer.

No entanto, o problema para as forças pró-capitalistas é que a plataforma econômica de Dória e Temer não tem apelo popular entre a grande maioria dos brasileiros – o que não é surpresa nenhuma. Na verdade, Dória é cauteloso em dizer que ‘preservará’ o muito popular programa de assistência social Bolsa Família introduzido por Lula. Como mostrou o Banco Mundial, 62% da redução da extrema pobreza no Brasil entre 2004 e 2013 se deram pelas mudanças nas rendas não provindas do trabalho (principalmente pelas transferências em dinheiro condicionadas pelo Bolsa Família).

Além disso, Temer é extremamente impopular, com aprovação bem abaixo até mesmo de Trump nos EUA.  Isso porque ele usurpou o cargo de Dilma e também evitou as denúncias de corrupção contra si pela volta da maioria de deputados de direita no Congresso. Lula é agora o mais popular político no Brasil novamente e pode vencer a eleição para presidência, exceto por ele ter sido condenado por corrupção nos tribunais e, portanto, pode vir a ter seu direito de concorrer cassado.


Enquanto isso, a grande questão da economia é saber se o Brasil pode se recuperar da profunda recessão que entrou em 2014 e apenas agora apresenta uma suave e fraca recuperação. 



Temer está confiando nos investimentos estrangeiros de multinacionais e fluxos de capitais especulativos para sustentar essa limitada recuperação, mas ele pode muito bem ser desapontado. Como resultado da queda, a dívida do setor público galopou com sucessivos e grandes déficits no orçamento anual do governo.


O Brasil tem a maior taxa dívida/PIB entre os “Países Emergentes”
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Os gastos discricionários (educação, saúde, transporte etc.) foram cortados até os ossos e agora Temer, Dória e seus patrocinadores querem destruir a previdência social para pagar a dívida e ‘equilibrar o orçamento’.


Junto com o aumento da idade de aposentadoria, o governo está propondo a eliminação da aposentadoria por tempo de serviço e aumentando de 15 para 25 o número de anos necessários para poder se aposentar na velhice.

Os 27 estados brasileiros também estão com sérios problemas. O Rio de Janeiro teve que atrasar o pagamento de servidores públicos (atualmente em dois meses de atraso) e está inadimplente. O Rio Grande do Sul e Minas também estão perto da insolvência, enquanto quase todos outros Estados estão enfrentando restrições de liquidez e vários estão em atraso com fornecedores e empregado. Em resposta, o governo Temer quer introduzir um plano de austeridade fiscal de 20 anos e colocar a dívida dos Estados nas mãos de uma agencia separada que “gerenciará” a dívida usando as receitas dos contribuintes.

Participei de uma audiência pública no Senado brasileiro sobre direitos humanos e uma conferência internacional sobre a questão da dívida. Ambos os eventos foram organizados pela Auditoria Cidadã da Dívida, entidade com apoio dos sindicatos, que vem fazendo campanha para explicar por que a dívida pública brasileira é tão alta e a iniquidade do plano de privatização da gestão da dívida nas mãos do setor bancário, que gerará perdas e maiores dívidas para os contribuintes.

Apresentei um artigo junto com muitos outros acadêmicos e ativistas da América Latina. Em meu artigo enfatizei a grande alta na dívida do setor público a nível global – resultado da quebra e resgate ao sistema bancário mundial e da subsequente recessão global de 2008-9 – e o papel desempenhado pelas agências internacionais em gerir a dívida em economias em dificuldade à custa dos seus serviços públicos.

No caso brasileiro, a dívida pública sempre foi alta em comparação com outros assim chamados “países emergentes”, a despeito do serviço público ser ruim, pela alta taxa de juros da dívida pública e pela arrecadação de impostos ser relativamente baixa.

O Banco Mundial alega que “um grande desequilíbrio fiscal estrutural está no cerne das atuais dificuldades econômicas do Brasil. Embora as receitas sejam cíclicas e tenham diminuído durante a recessão, as despesas são rígidas e impulsionadas por compromissos sociais constitucionalmente garantidos, em particular em benefícios de pensão generosos”. Então a culpa é de gastos excessivos e pensões generosas, de acordo com o Banco Mundial. Mas isso é pura afirmação ideológica sem sentido.
                                              
O Brasil é a mais desigual sociedade do G20 (fora Africa do Sul). Mas seu sistema tributário permite que os possuidores de maior renda e riqueza se safem enquanto os pobres paguem a maior parte – em outras palavras, o sistema tributário altamente regressivo junto com base fiscal evita taxar os ricos. Como resultado, temos os custos de juros mais altos do mundo sobre a dívida pública em relação à arrecadação de impostos.

De fato, um recente relatório da Oxfam Brasil mostrou que, se o sistema tributário fosse progressivo; esquemas de sonegação de impostos interrompidos; e a evasão fiscal (incluindo o uso de fundos offshores do tipo Panama papers) seriam encerradas, as receitas fiscais brasileiras seriam mais do que suficientes para melhorar os serviços públicos, proteger pensões e benefícios sociais.

Perda de Receita foi R$600 bilhões em 2016. Quase quatro vezes os cortes de pensão planejados pelo atual governo:


Ao colapso econômico de 2014-16 se seguiu uma fraca recuperação. De fato, o último relatório sobre a América do Sul pelo Banco Mundial faz uma leitura sombria da situação. Diz o banco: “A atividade econômica permanece no trilho para se recuperar gradualmente em 2017-18, mas o crescimento de longo prazo permanece preso em marca lenta”. O crescimento só ficou positivo, pois a economia mundial se recuperou no último ano. Como diz o banco: “Um ambiente externo favorável está ajudando a recuperação. A demanda global está se fortalecendo junto com financiamento fácil – Baixa volatilidade do mercado global e flexíveis fluxos de capital – estão turbinando as condições financeiras domésticas”.

Mas, “apesar dessa recuperação, perspectivas de crescimento de longo prazo na América Latina e Caribe parecem turvas. Nos próximos 3-5 anos, O crescimento projetado para América latina é de 1,7% em termos per capta. Essa taxa de crescimento é quase idêntica a desempenho do último quarto de século na região e apenas marginalmente melhor do que as economias avançadas, levantando preocupação de que a região não esteja alcançando o nível de renda dos países avançados”.

O Banco Mundial, juntamente com o FMI, prevê somente 0,7% de crescimento para este ano no Brasil e apenas 1,5% para 2018. A economia doméstica continua muito fraca. A produção industrial só cresce nas exportações. O investimento de capital continua reduzido.


O rendimento médio real ainda está abaixo do pico de 2014, embora a inflação tenha diminuído na recessão. 


A realidade implícita é que o capital brasileiro continua sofrendo de uma queda de longo prazo na sua lucratividade, da qual parece incapaz de escapar, apesar de espremer a força de trabalho. 


O banco Mundial ressalta que a dívida das empresas como proporção do PIB aumentou uma média de 23% do PIB em 2009 para 25% em dezembro de 2016 e uma grande parcela das empresas está superendividada. É o setor capitalista brasileiro que está em crise. Naturalmente, o Banco Mundial e o FMI sugerem como solução o usual lote de medidas neoliberais já adotadas por Temer e Dória.

Quando a economia brasileira prosperou com a explosão do preço das commodities dos anos 2000, o Brasil “experimentou uma sem precedente redução da pobreza e desigualdade” (Banco Mundial) e 24 milhões de brasileiros saíram da pobreza. O coeficiente de GINI sobre desigualdade de renda caiu da chocante altura de 0,59 para 0,51.

Mas após a recessão de 2014-16 e sobre a presidência de Temer, está aumentando novamente. As agências internacionais, investidores estrangeiros e grandes empresários brasileiros querem uma administração por mais quatro anos que imponha a austeridade, a “flexibilização” do trabalho e privatizações. Isso só vai levar a desigualdade adiante. Ironicamente isto não reduzirá a dívida do setor público, pois o crescimento econômico e a arrecadação de impostos será muito baixa. De fato, o FMI prevê que a dívida será muito maior até 2022.

O Banco Mundial resume a situação: “À medida que as eleições de 2018 se aproximam, a unidade da coalizão governamental provavelmente será testada cada vez mais. A corrida presidencial continua aberta e pode resultar em alianças que podem remodelar a paisagem política. Além disso, o debate sobra a necessidade e a estratégia apropriada para realizar os ajustes fiscais e reformas microeconômicas continua polarizado”. 
Wesley Sousa

1 Comentários

  1. Excelente artigo! Obrigado aos colaboradores pela tradução. Realmente triste situação, essa dívida precia ser auditada imediatamente, existem irregularidades, que já foram apresentadas por comissões do senado federal inclusive. Acessem artigos academicos e notas sobre a questao da divida no site da "auditoria cidadã".

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